23 fevereiro, 2011

Se Zaratustra falou, tá falado...


Viviane Mattus

"Eu sou um viajante e um trepador de
montanhas – disse de si para si − não
me agradam as planícies, parece que
não posso estar muito tempo
sossegado.


Ou seja porque o queira o meu destino
ou a eventualidade que me espera,
sempre uma viagem há de ser para mim
uma ascensão: em suma, cada qual
vive−se unicamente a si mesmo.
Passou o tempo em que me poderiam
sobrevir acasos, e que poderia
suceder−me que já me não pertença?
O meu próprio ser está enfim de
regresso, e quanto dele próprio andou
durante muito tempo por estranhas
terras e disperso entre todas as coisas e
todas as contingências!


E sei mais alguma coisa; estou agora
diante do meu último píncaro e do que
me foi evitado durante mais tempo.
Preciso seguir o meu caminho mais
rigoroso! Começou a minha viagem
mais solitária.
Quem é, porém, da minha condição,
não se livra de semelhante hora, da
hora que diz: "Só agora segues o teu
caminho de grandeza! Até hoje têm−me
confundido num só o cume e o abismo!
Segue o teu caminho de grandeza; veio
agora a ser o teu último refúgio, o que
até aqui se chamou o teu último perigo!


Segue teu caminho de grandeza: a tua
melhor animação agora é não existirem
caminhos atrás de ti!


E se, mais adiante, te faltarem todas as
escadas, será preciso saberes trepar
sobre a tua própria cabeça; senão,
como quererias subir mais alto?
Sobre a tua própria cabeça e por cima
do teu próprio coração. Agora o mais
suave vai−se tornar para ti o mais duro.


Aquele que sempre cuidou muito de si
acaba por se tornar enfermiço com o
excesso de cuidado. Bendito seja o que
endurece! Não gabo o país onde fluem
manteiga e mel!
Para ver muitas coisas precisamos
aprender a olhar para longe de nós: esta
dureza é necessária para todos os que
escalam os montes.


O que porém investiga, com olhos
indiscretos, como poderia ver mais que
o primeiro terno das coisas?
Mas tu, Zaratustra, que querias ver
todas as razões e o fundo das coisas,
precisas passar por cima de ti mesmo, e
ascender, ascender até as tuas próprias
estrelas ficarem abaixo de ti!"

F. Nietzsche














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Quem sou eu

É necessário agora que eu diga que espécie de homem sou. Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio. Devo falar de meu caráter. A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são 'desconhecidas', simbólicas do Desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma. Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho". Fernando Pessoa (1888-1935)