03 julho, 2011


Há doenças piores que as doenças, 
Há dores que não doem, nem na alma 
                                              Mas que são dolorosas mais que as outras.  
Há angústias sonhadas mais reais  
Que as que a vida nos traz, 
há sensações  Sentidas só com imaginá-las  
Que são mais nossas do que a própria vida.  
Há tanta coisa que, sem existir,  
Existe, existe demoradamente,  
E demoradamente é nossa e nós...  
Por sobre o verde turvo do amplo rio  
Os circunflexos brancos das gaivotas...  
Por sobre a alma o adejar inútil  
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo. 
               Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
Fernando Pessoa                                                   

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Quem sou eu

É necessário agora que eu diga que espécie de homem sou. Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio. Devo falar de meu caráter. A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são 'desconhecidas', simbólicas do Desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma. Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho". Fernando Pessoa (1888-1935)