Há algum
tempo, em minha família, constatamos que um dos membros havia sido
diagnosticado com alzheimer. Inicialmente aquela situação nos parecia ‘natural’.
Ela compartilhava alguns momentos conosco, víamos seus risos, às vezes se
perdia dentro de si mesma, mas reconhecia algumas pessoas e ainda tinha
consciência de suas próprias necessidades. Com o avançar do tempo, a rotina
ficou bem diferente. Infelizmente, ela já não consegue nomear seus próprios
sentimentos e necessidades, abraça os filhos sem saber, se quer, quem está
abraçando. Perder-se dentro de si mesma é uma constante.
Às vezes,
injustamente, desejamos esquecer os momentos desagradáveis que vivemos ou
algumas pessoas que nos machucaram. Injustamente, desejamos até mesmo nunca ter
vivido algumas situações. Lembrar é um verdadeiro tormento. Mas, não. As
lembranças são nossas digitais, que revelam quais caminhos trilhamos e nos
ajudam a fazer escolhas importantes. Quando
lembramos, podemos sentir imensas alegrias, podemos sentir dor, podemos sentir
saudade. Isso é uma virtude. O erro não está em lembrar, isso é inevitável.
Nosso maior erro é não saber o que fazer com as lembranças.
Quando vejo
minha querida tia, que antes esbanjava vaidade, valentia, determinação e independência, percebo
o quanto somos vulneráveis as vicissitudes da vida. Somos tão delicados e,
infelizmente, não nos damos conta disso e agimos como super herois infalíveis. Somos
frágeis e não podemos, sequer, ‘escolher’ como gostaríamos de viver os últimos
anos de nossas vidas. A vida, essa nos reserva grandes surpresas, algumas boas,
outras ruins. E não adianta as anotações nas agendas, os grandiosos projetos de
vida, as economias, os planos grandiosos, se dentro de nós não estivermos
preparados para lidar com toda e qualquer situação.
Viver essa
experiência trouxe significativas reflexões para mim. A mais grandiosa delas
está no fato de haver percebido que o amor é, definitivamente, incondicional. Percebi
isso quando me dei conta de que não esperamos, nem devemos esperar, reciprocidade
alguma de uma pessoa em estado avançado de alzheimer. Não entendam isso como indelicadeza. A verdade
é que as pessoas acometidas com essa enfermidade enfrentam grandes dificuldades
para se expressar verbalmente e sentimentalmente. Às vezes presenciamos choros
e risos espontâneos, mas não sabemos qual
fato de sua vida provocou essas reações,
pois já não há palavras para expressá-las. Literalmente.
Sem mais,
finalizo esse texto/desabafo sugerindo que tratemos bem toda e qualquer pessoa,
mas que sejamos amáveis, sensíveis e gentis com aqueles que perderam suas
memórias. Pessoas com alzheimer podem nos ensinar muitas coisas boas e,
inevitavelmente, nos tornam seres mais
humanos. Encontrar uma foto, ver a chuva, caminhar, pintar as unhas, adimirar
uma flor, contemplar uma formiga podem ser um grande acontecimento para essas pessoas, que todos os dias
se surpreendem e percebem extrema beleza nas coisas simples e ‘repetidas’ do
cotidiano. Mas não ame por pena, ame-os por serem indispensáveis
em sua família, ame-os pelos mesmos motivos de antes, quando ainda traziam suas recordações.
Para entender
melhor, indico os filmes Diário de uma
paixão e o tocante Longe dela.
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