Perguntaram-me se eu apenas consigo desejar coisas completas. Respondi que sim. Alguém, por favor, me ajude a entender como é que se deseja algo pela metade. Eu fiquei pensando como seria ter em mãos seu picolé favorito mas desejar apenas a metade dele e descartar a outra metade que seria menos desejável. Como é querer o beijo de quem se ama e não atrelar isso ao abraço, ou vice e versa? Como é, sendo religioso, crer na metade da bíblia e desprezar a outra metade? Igual seria eu abrir um clássico literário extremamente instigante e ler apenas a metade dele pois, mesmo sendo instigante, é proibido desejar ler a outra metade do livro. Qual lógica movimenta isso?
Talvez seja a lógica invisível por trás de tudo, essa que nos motiva a fazer todas as coisas pela metade: professores fingem que ensinam, enquanto os alunos fingem que aprendem; pastores fingem santidade, enquanto féis fingem que são santos; namorados fingem que amam, enquanto as namoradas fingem que são amadas, ou vice e versa. E assim caminha a humanidade. Nos acostumamos a ter tudo pela metade, quando temos. Metade da qualidade na educação, na saúde e na segurança pública, mesmo pagando o dobro equivalente. Apoiamos o candidato que é metade bom e metade mal, que rouba mas faz. Pagamos caríssimo por bens que custam a metade do preço em outros países, mas aqui são produtos "meia boca". Tudo ao meio, metade disso e metade daquilo.
E se a gente partisse do pressuposto que os "inteiros" são mais interessantes? Assim, amar por inteiro abrangeria realmente os quesitos matrimoniais "na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza". Talvez assim as pessoas se suportassem em amor nos momentos favoráveis e desfavoráveis.
Ao falar sobre "o desejo absoluto das partes do todo" tenho o intuito de dizer que, obviamente, nem sempre podemos ter o todo, pois isso é muita coisa. Mesmo que eu jamais consiga desvendar todos os mistérios do mundo, desfrutar de todos os oceanos ou conhecer todos os países do planeta, a parte que me toca conhecer será meu todo e daquilo viverei sem meios termos. Parece-me uma questão um tanto filosófica que as palavras que me chegam não alcançam explicar. Mas, ao fim e ao cabo, quero dizer que não vejo inconvenientes em apostar todas as fichas naquilo que acreditamos. Ainda que não vingue, você já terá desfrutado como pode e ainda terá mais fichas para gastar com outras apostas. Pois nesse jogo que se chama vida, todos os dias é dia de encher os bolsos de possibilidades e vivê-las desejosa e absolutamente.
Longe de querer parecer hedonista, egoísta ou ambiciosa, longe mesmo. É que as vezes me pego pensando nessas questões tão minhas. As vezes abro mão de coisas que me pareciam extremamente importantes por acreditar que a missão foi cumprida e por acreditar que cada coisa tem seu tempo certo para acontecer. E é no tempo de cada coisa que quero me debruçar, me gastar e investir tempo e espírito. Meu desejo maior é que cada ciclo de vida seja desfrutado avidamente e que a grandeza de cada detalhe supra minha necessidade de infinitude, mesmo sabendo-me finita.
Bom, esse é mais um texto para o qual não tenho um final. Como sempre, meu problema com términos e delimitações abrange também a escrita. E assim digo...fim.
Arrassou
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