03 abril, 2011

O teatro dos barba(dos)



"Não se conhece bem 
um homem que nunca
 deixou a barba crescer."
Affonso Romano

Certamente não é a barba que faz o filósofo mas acredito que ela esconde parte de suas angústias filosóficas. Pode ser a angústia da alma, aguçada  por todas as inquietações que esta já não suporta. Mas pode ser também a angústia de não ter tempo nem para meter a navalha nesse labirinto que desenha o eixo nariz, boca, queixo. Talvez seja mais intuição do que razão mas esse é meu pensamento. 
Já conversei com alguns desses inquietos barbados. Um dia alguém me disse que sua barba era a exteriorização de suas aflições presentes, que quando toda a avalanche de conflitos passasse, certamente ele  viria a (des)fazê-la. Então, perguntei a outro amigo por que ele usava barba. Ele respondeu: _"a pergunta mais natural a fazer seria: por que o povo tira a barba?" Engraçado isso. Lembro que todas as vezes que me sentia 'aperreada' por algum motivo vinha logo a vontade de cortar meu cabelo estilo chanel. E eu cortava mesmo. Sei lá. Era como um ritual de passagem, como se aquele cabelo solto ao vento levasse minhas angústias com ele. 
Segundo a crença popular, existem as marias chuteiras, marias gasolina, marias fardas e, inclusive, as marias sapatão. Protesto! E as marias barba?  __ Ah, são dessas mulheres que, antes mesmo de saber nome, endereço, lenço e documento, já vão logo se derretendo pelo barbudo desconhecido, digo, quase desconhecido, pois nós lemos cada centímetro de uma barba "por-não-fazer". É. Eu prefiro que elas não sejam feitas mesmo, mas podem ser aparadas, ajeitadas ou arrumadas, como queira, mas jamais abolidas. Há quem diga que o termo adequado para as mulheres inclinadas a uma barba seria "barbudetes", que, segundo a desleixada pesquisa que fiz no  "oráculo contemporâneo google", diz respeito as mulheres que tem fortíssima tendência para os barbudos. 
Vale ressaltar que há algumas verdades nessa história toda: por exemplo,  cada homem tem o seu charme, mesmo que não tenha barba; existem as barbas sem propósitos, aquelas que estão ali por estar,  só; tem algumas nada atraentes, muitas.    
O fato é que o barbado já entra no jogo com vantagem, porque sua barba é instintivamente (para as marias barba) um imperativo para a entrega. Talvez haja alguma explicação científica, psicológica, biológica ou sociológica para esse fenômeno. Não importa a 'lógica' que explique isso. O fato é que uma barba 'a la Wolverine' é super bacana, é a barba-metade que toda mulher gostaria de ter. 
Diga-se de passagem que os olhos ganham outra perspectiva no rosto de um barbudo. É como se eles estivessem ali em parceria implícita e abusiva com a camarada barba. Um conjunto perfeito para promover o mistério. O mistério é essencial.
Ah... que o santo protetor dos homens barbados nunca os abandone em suas horas de aflição, que sempre haja força suficiente para suportar a angústia sem ter necessidade de podar as alegrias que uma barba pode proporcionar, que todas as barbudetes resistam aos pré-conceitos que as amigas frescas apresentam para com seus barbudos e que os homens assumam suas barbas e suas inquietações também. 
E aí vai: a barba é uma máscara como no teatro; é outro em nós, um modo de o personagem se experimentar em cena... Já dizia Walmor Chagas  a Affonso Romano, em discussão sobre a metafísica da barba. 

Por Viviane Matos


Ps.: Agradeço a troca de ideias entre Elane Ires, Angelane Faustino, Lays Helena e Roberto Buarque.



2 comentários:

Quem sou eu

É necessário agora que eu diga que espécie de homem sou. Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio. Devo falar de meu caráter. A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são 'desconhecidas', simbólicas do Desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma. Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho". Fernando Pessoa (1888-1935)